
Moradores, trabalhadores e usuários da Cracolândia se uniram, em 2017, para criar um coletivo social que unisse cultura e redução de danos para aquela população. Assim surgiu o Pagode na Lata, uma roda de samba que tem foco na inclusão social.
O grupo deu continuidade ao extinto Programa De Braços Abertos, que visava a redução de danos para usuários de crack na Cracolândia, oferecendo moradia, alimentação, e trabalho remunerado. Desde então, há oito anos, o Pagode na Lata assumiu um papel de lutar pelas pessoas do território.
Em entrevista ao Metrópoles, Marquinho Maia, um dos fundadores do coletivo, defendeu a existência do projeto nascido na Cracolândia.
“Criamos o grupo para não perder o vínculo com os ex-trabalhadores e usuários da região que faziam parte do projeto de redução de danos, pois é de extrema importância trazer autonomia e liberdade para as pessoas”, explicou.
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Atualmente com nove músicos e duas pessoas na produção, o Pagode na Lata realiza shows quinzenais em São Paulo interpretando clássicos do samba e do pagode e mesclando com outras sonoridades, como rap e funk. O objetivo, além de musical, segue sendo a recuperação da dignidade de pessoas que vivem à margem de políticas públicas.
“O Jurandir, que toca pandeiro, tem 25 anos de Cracolândia. Isso é mais da metade da vida dele. Depois que ele entrou no grupo, ele foi se organizando. Hoje, o Jurandir não mora mais na rua, paga o lugar onde ele mora, tem uma conta no banco com autonomia do dinheiro dele, chega nos horários, vai aos ensaios e voltou a ver a familia. Essa é a maior prova de que a política social e cultural existe e funciona. É o que mais faz sentido para nós”, disse Marquinho Maia.
Música que salva
Inspirados pelo samba e pagode, o Pagode na Lata é formado por musicistas que sempre tiveram relação com a música. O grupo possui uma estrutura de ensaios semanais e shows nos fins de semana, com foco em músicas que se relacionem com a realidade do projeto.
“Nosso repertório é bastante pensado em músicas que discorram sobre as questões de classe social, de direitos humanos, que discutam as coisas elencadas sobre gênero, raça e muito do que a gente gosta. As músicas tem que fazer sentido, tem que ter identidade. Até por isso também estamos fazendo colagens com o rap e o funk”, revela o fundador.
Completando oito anos de existência em novembro deste ano, o Pagode na Lata celebra a visibilidade e os melhores cachês para as apresentações realizadas. Na primeira vez que tocaram, cada integrante recebeu R$ 7. Agora, o dinheiro recebido é capaz de prover uma vida mais organizada para os musicistas.
“Mudou nosso modo de tocar. Hoje temos muito mais profissionalismo, as pessoas reconhecem o grupo pelo projeto social e também pelo samba bem tocado. Chegamos em um lugar que temos um público cativo em São Paulo.”
Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Raphael Escobar (@raphael_escobar)
Atual relação com a Cracolândia
Formado por Marquinho Maia, Raphael Escobar, Leonardo Lindolfo, Cacá, Jair Racionais, Jura Emídio, Marcos Pirata, Raul Zito, Fábio Rodrigues e Robson Favela, o coletivo social e grupo de pagode mantém laços com o território de origem.
“Toda a nossa premissa e importância vem da Cracolândia. Quando a gente chegava lá e começava a tocar, todo aquele lugar se transformava. As pessoas paravam tudo para estar lá. Qualquer coisa se tornava um instrumento musical. Desde o cachimbo até a lata. A música traz memória, as emoções afloram. Era natural ver a emoção das pessoas e o carinho”, relembra Marquinho Maia.
Atualmente, entretanto, a relação mudou. Segundo o fundador do projeto, a prefeitura de São Paulo realizou mudanças no território e dissipou as pessoas do local que era conhecido como Cracolândia, espalhando os usuários pela cidade e dificultando a promoção de cultura social.
“A situação da Cracolândia com a prefeitura de São Paulo e com o Governo é muito bizarra, desonesta. A Cracolândia não acabou, mas agora existem vários focos de fluxo que foram espalhados pela cidade. É uma política eugenista, desastrosa, uma estratégia que eu chamo de tortura”, iniciou.
Em seguida, ele cobrou políticas mais concisas para os usuários e dependentes químicos. Desde o fim da concentração na Rua dos Protestantes, em São Paulo, tudo mudou.
“Quando as pessoas estavam fixas em um lugar, elas podiam ser encontradas para atendimentos básicos e promoção cultural. Agora isso mudou. Denunciamos essa questão social, essa violência. O tratamento não pode ser abusivo. Tem que ser feito pela saúde e pelos programas de assistência social.”
Em julho, a Secretaria de Segurança Pública informou que o local foi isolado e restrito para “reforçar a presença policial na área e prevenir ações criminosas”. Além disso, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou que as ações da assistência social, da saúde e das forças de segurança estão reduzindo o fluxo de usuários pela cidade.
O governador de São Paulo, na ocasião, chegou a ser mais incisivo. “Estamos fazendo o que nunca foi feito, o que ninguém teve coragem de fazer. Por isso, reforço aqui meu compromisso: a Cracolândia vai acabar”, disse Tarcísio de Freitas (Republicanos).
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